não existe carma bom no amigo x

sofrimento e vingança do terceiro nerd

1.

entrar no amigo x da turma da escola foi uma péssima ideia.

mas, em minha defesa, o ano era 2000 e o mundo era um lugar um pouco mais cordial e civilizado — ou assim me parecia quando tinha 7 anos de idade e chegava ao final da primeira série do ensino fundamental.

participar do amigo x em si talvez não tenha sido o meu erro. o erro foi ter comprado um bonequinho irado do Shurato1 — lembra? daqueles com uma armadura montável2 e tudo.

confesso que parte da minha motivação (errada) pra ter dado esse presente é que era isso que eu gostaria de ter ganhado3 e, por isso, fiquei esperando a recompensa do carma. mas não existe carma. pelo menos, não, o bom. e não no amigo x.

eu não lembro quem eu tirei, mas espero que o coleguinha tenha ficado feliz com seu novo bonequinho do Shurato. eu, de minha vez, voltei pra casa um pacote de biscoitos recheados de qualidade duvidosa e uma caixa de bombons da bel4.

2.

hoje, novamente, volto a participar de uma brincadeira como essa. entrei num amigo anjo5 na esperança de que os meus colegas de trabalho sejam mais legais que os meus colegas da primeira série do ensino fundamental.

novamente, fiz o meu dever de casa. preparei meu primeiro recadinho com um haicai meu e outro do Paulo Leminski, brincando sobre o feriado que se aproximava e tentando ser espirituoso com uma colega que mal conheço e não sei se considero pacas porque a pessoa chegou muito recentemente para assumir uma vaga que atrapalhou tudo apareceu de última hora.

a sensação de ter sido legal pareceu, por um instante, me reconciliar com o meu eu magoado de 7 anos idade.

quem sabe dessa vez?

3.

a experiência ruim da primeira vez, porém, criou um receio de participar dessa brincadeira. sempre evitei, mas nem sempre eu fui a vítima. afinal, quando a educação não é libertadora6, o sonho do oprimido é vestir a carapuça do opressor.

fui provavelmente obrigado a passar novamente pela troca de cartinhas secretas na escola — agora na 7ª série. mas, dessa vez, com 13 anos, decidi me defender de uma possível frustração mostrando todo um amadurecimento precoce, fazendo o que os adultos fazem para não se decepcionarem.

resolvi decepcionar primeiro. e melhor.

fiz a vingança contra o meu primeiro algoz recair sobre uma vítima que não sabia7 da lástima dos biscoitos de qualidade duvidosa e dos bombons da bel. ignorei o amigo anjo por semanas. ao final, o querido recebeu apenas um recadinho, no último dia, num papel mal dobrado sem cartão ou envelope, dizendo apenas

Tibia: relembre a história do famoso MMO que fez sucesso no Brasil | Voxel

em minha defesa, tibia era um jogo realmente muito ruim, e, além disso, a possível vítima do meu desagravo era um dos três nerds da sala, sempre zoados. e eu (o terceiro nerd, procurando escapar da mesma sina), tentava com todos os meus esforços me desassociar deles, embora as nossas afinidades nos impedissem o afastamento completo. parece, afinal, que nunca temos os amigos que queremos ou precisamos, mas apenas aqueles que conseguimos.

aqui, eu vou deixar você fazer os piores julgamentos de mim enquanto faço um pedido de desculpas generalizado e anônimo pro meu ignorado amigo anjo de então.

4.

mas, voltando para agora, o dia de iniciar a troca de recadinhos do amigo anjo no trabalho começou.

não vi a reação da pessoa que recebeu os meus haicais e minha balinha toffee árabe que fechava um envelope branco de carta, daqueles que têm os quadradinhos laranja pra escrever o CEP. ela foi rápida e discreta e eu estava distraído, mas suponho que ela tenha gostado — fez postagem nos status do whatsapp com os famigerados emojis de carinha feliz e coração.

e para mim?

pra mim, mais uma vez, não tinha nada.

Reply

or to participate.