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[MMS] quantas ideias tem um bicho de 7 cabeças
ou quantas ideias têm um bicho de sete cabeças
escrevi esse conto no ano passado na minha newsletter principalmente etc. quando eu tava usando o mailchimp ainda. pretendo retomar o formato da principalmente etc. aqui no ano que vem com algumas melhorias. você lembra da principalmente etc.?
quando eu era criança, 11 pra 12 anos, passava em frente a um casarão na hora de ir pra escola. tinha uma gárgula quase solitária. solitária, porque era a única estátua que lá se encontrava. quase, porque tinha sete cabeças.
eu só sabia que era uma gárgula porque tinha um desenho no SBT com esse nome.
em algum momento da minha adolescência, 16 pra 18 anos, algum bruxo por pura maldade, ordenou que aquela imagem monstruosa vivesse nas minhas costas. durante alguns dias ela diminuía e ficava no meu ombro esquerdo. mas, à medida que o tempo passava, ela crescia. tinha dias que ficava tão pesada sobre os meus ombros que, encurvado, tinha dificuldade de ficar ereto.
dos 20 aos 27, aprendi a balancear seu peso. quando estava no ombro, era mais fácil de carregar e a sensação de ter o bicho lá ficava algo entre a indiferença e o conforto de uma silenciosa companhia. nos dias em que mais pesava, dava trabalho de fazer tudo, então eu organizava minha rotina para fazer tudo o que dava. com o tempo e a reincidência de determinadas falhas a gente faz e deixa de fazer certas coisas e as pessoas param de argumentar também.
quando eu fiz 30 anos, a gárgula começou a falar comigo e, a princípio, eu fingia não estar escutando — o que era fácil, já que ninguém mais via a criatura empoleirada nos meus ombros. mas as cabeças iam falando e ficava difícil de não prestar atenção. às vezes vinham perguntas retóricas e, às vezes, questionamentos realmente interessados no meu proceder. "não vais responder?"; "vai deixar ela falar assim contigo?"; "enfia a mão na cara dela!"; "não precisa bater, mas existem outras formas de ser cruel"; "vá embora. ninguém vai notar"; “por que você não morre?".
a profusão de vozes era insuportável, mas parecia honesta. cada uma das sete cabeças estava me falando uma verdade diferente e, ao mesmo tempo, todas contraditórias.

[MMS] é uma edição mensal da [SMS] com uma história maior e, às vezes, letras maiúsculas.
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